quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Centenário de Mestre Vitalino

Calina Bispo
Repórter
04/02/09

Em novembro de 2008, o escritório de artes Soraia Cals, do Rio de Janeiro, vendia em leilão a coleção de obras de artes do escritor baiano Jorge Amado. Foram ao pregão 578 peças, entre as quais oito obras de autoria de Vitalino Pereira dos Santos, ceramista popular natural de Caruaru, nascido em 1909, o Mestre do Barro é conhecido mundialmente como o maior ceramista brasileiro do século XX.

Em meio às comemorações do centenário de nascimento do Mestre Vitalino – falecido em 1963 e admirado pelo artista espanhol Pablo Picasso, a reportagem de A UNIÃO conversou com o artista plástico Miguel dos Santos, residente em João Pessoa. Santos, além de utilizar a cerâmica como base para o seu trabalho, é conterrâneo e um dos mais fiéis admiradores do trabalho do mestre ceramista.

"Vitalino está para a América do Sul assim como a Arte Moderna está para o Século XX, porém, particularmente acho que ele é muito superior a essa arte moderna", afirma. "Apesar de suas obras serem bravamente disputadas em leilões, a exemplo do leilão da Soraia Cals, onde uma obra de Vitalino foi vendida à 25 mil reais, sua importância ainda não alcançou o seu real e merecido valor no mercado brasileiro", desabafa Santos.

Vitalino era filho de lavradores, criança que virou homem trabalhando no campo, enquanto sua mãe fazia utensílios domésticos de cerâmica para vender na feira de Caruaru. Com o que sobrava do barro utilizado pela mãe, Vitalino ia construindo seu universo lúdico e ingênuo, onde a única pretensão era se divertir.

Também como uma brincadeira, Vitalino, ainda aos 11 anos de idade, criava a banda Zabumba Vitalino, da qual era o tocador de pífano principal. Nesse período, Vitalino faz surgir um universo criado por pequenos animais, a exemplo de boi, bode, burro e cavalo.

"Nunca perdi de vista Vitalino como o gigante da arte brasileira. Tão gigante quanto Aleijadinho, que apesar de terem propostas diferentes, a grandiosidade de seus trabalhos me fazem acreditar que eles representam o que há de mais puro no universo artístico do Brasil", diz Santos.

As pequenas modelagens foram se transformando na medida em que a criança foi crescendo, se tornando homem feito e modelador experiente. Nos anos de 30, por exemplo, surgem pessoas em grupo em suas cerâmicas, assim como as cores ganham destaque, o seu repertório temático vai se definindo cada vez mais.

São figuras de cangaceiros, soldados, bacharéis e políticos. No início, a cor era obtida por meio de argilas de diferentes tons, avermelhado e branco. Depois Vitalino pinta os bonecos com tintas industriais, o que lhes confere um aspecto alegre e lúdico. A partir de 1953, deixa de pintar as figuras, mantendo-as na cor da argila queimada.

"Lembro muito bem que na minha infância sempre tive a figura do mestre Vitalino em meio aos meus 'brinquedos'. Lá em Caruaru, nós ganhávamos brinquedinhos novos sempre as quartas e aos sábados. Naquela época eu recebia as peças de Vitalino para brincar no quintal. Não posso esquecer disso nunca", diz o artista plástico Miguel dos Santos.

O reconhecimento do valor cultural das obras do mestre Vitalino, mesmo que já institucionalizado por entidades como Itaú Cultural, para Miguel dos Santos, ainda é pequeno e sem grandes benefícios para seus herdeiros.

“Infelizmente o reconhecimento só veio depois de sua morte e mesmo assim é muito insignificante pois os familiares dele, apesar de darem continuam ao legado artístico criado pelo pai, continuam numa vida simples, sem condições de conforto ou qualquer perspectiva futura”, sentencia Santos.

Na enciclopédia do Itaú Cultural, a pesquisadora Lélia Coelho Frota, autora de livro sobre o artista, afirma que Vitalino representa um agente-chave de transformação na região. "Pelo reconhecimento artístico alcançado por mestres como ele e o sucesso comercial da cerâmica no mercado nacional, a partir de sua geração, famílias inteiras se ocupam desse ofício na comunidade de Alto do Moura, em Caruaru".

De acordo com a pesquisadora o mestre pernambucano é considerado pela Unesco um dos mais importantes centros de arte figurativa das Américas. “Nesse processo, Vitalino é o principal agente de renovação visual, criando diversos motivos, e dono de um estilo pessoal marcante, que se revela na expressividade das feições e gestos e posturas corporais, na composição teatralizada das cenas”, observa Frota.

E continua. “Embora todos esses aspectos de sua arte justifiquem a notoriedade alcançada por Vitalino, em certa medida seu sucesso está relacionado a uma tendência cultural mais ampla de valorização dos traços populares, considerados originais e exemplos de brasilidade. Inegavelmente sua produção é interpretada como representativa dessas manifestações "autênticas" e "simples" que muitos intelectuais e artistas, na primeira metade do século XX, elegem como modelo”, conclui Frota.

Durante todo o ano de 2009, a Fundação de Cultura e Turismo de Caruru estará comemorando o centenário de nascimento de Mestre Vitalino. O inicio das celebrações aconteceu no dia 20 de janeiro com as homenagens aos 46 anos da morte do mestre.

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