Matéria publicada no Jornal A União
Calina Bispo
Repórter
18.08.08
UMA DAMA NA DRAMATURGIA NORDESTINA
Contemporânea. Sem dúvida. Não hoje, amanhã ou depois. Sempre! Essa é uma das características mais fáceis de ser observada quando se lê, mesmo que breve e superficial, qualquer biografia sobre a dramaturga Lourdes Ramalho.
Ela foi contemporânea quando ainda adolescente quis criticar, através do teatro, a situação na qual se encontrava junto com outras adolescentes que eram internas em
um colégio do Recife. Todo o incomodo e ausências de condições dignas do colégio se transformaram em um esquete encenado para todo o colégio, resultando em sua expulsão.
Maria de Lourdes Nunes Ramalho, ou Lourdes Ramalho, nascida em 23 de agosto de 1923, no sertão de Jardim do Seridó, fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba, criou-se em meio às expressões da cultura popular através do bisavô violeiro e repentista, mãe professora e dramaturga, tios atores, cordelistas e violeiros.
Daí a criar personagens e estórias em torno desse universo foi um processo tão espontâneo quanto sua aderência a um movimento que começava a ganhar fôlego no teatro nordestino pelos idos de 1959 em diante, graças à influência do Teatro Arena de São Paulo.
Sob o nome de Teatro do Estudante da Paraíba, a cena local passa a ser renovada e em menos de 10 anos, uma efervescência no teatro paraibano é causada por autores como Altimar Pimentel, Paulo Pontes, Ariano Suassuna e a própria Lourdes Ramalho.
É nesse período que muitos estudiosos situam o primeiro “ciclo” da dramaturgia da escritora, representado pelas peças Fogo-fátuo, As velhas, A feira, Os mal-amados e A eleição. Esse ciclo tem como marca maior as questões políticas, sociais e amorosas no âmbito rural, como é descrito em artigo da doutora em Letras da Universidade Federal da Paraíba, Valéria Andrade.
“Nestes textos, que formam o primeiro ciclo desta dramaturgia, estão em discussão a seca, o êxodo rural e os abusos de poder político local, lado a lado com questões relacionadas a vinganças familiares e amores impossíveis que acabam tragicamente”.
O segundo ciclo da obra de Lourdes Ramalho tem início a partir de 1990 e “privilegia uma proposta estética voltada para o desvendamento e a ressignificação das raízes étnico-culturais do universo popular nordestino, especialmente as que remontam à cultura ibérica do século XVI. Deste modo, sem deixar de lado o propósito de discutir e dar visibilidade Lourdes Ramalho busca situá-las num contexto que traz à tona traços de uma ancestralidade ibérica”, segundo Andrade. Compõem esta segunda fase, entre vários outros textos, O trovador encantado, Charivari, Presépio mambembe e Guiomar filha da mãe.
A autora também dedicou-se ás crianças em sua antologia, podendo-se citar aqui textos como Novas aventuras de João Grilo, Dom Ratinho e Dom Gatão, O diabo religioso, Maria Roupa de Palha e Anjos de Caramelada, além de muitos outros.
A obra de Lourdes Ramalho requer tantos espaços quanto o teatro brasileiro tiver condições de oferecer. São mais de 100 textos para teatro, além de poemas e prosa. Ramalho é premiada no Brasil, Portugal e Espanha em inúmeros concursos de dramaturgia e festivais de teatro. A autora de As Velhas tem seu lugar assegurado – mas ainda não plenamente reconhecido – entre os grandes nomes do teatro brasileiro.
Uma oportunidade de se conhecer e reconhecer um pouco mais sobre a dramaturgia de Lourdes Ramalho e conseqüentemente da própria história do teatro nordestino será oferecida aos cearenses na próxima terça-feira, 25, às 19 horas, no cineteatro do Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza onde a dramaturga, aos 84 anos de idade, será entrevistada pelo ator, dramaturgo e diretor teatral Ricardo Guilherme, e pela platéia presente ao CCBNB-Fortaleza, que poderá formular perguntas sobre a vida e obra de uma das maiores damas da dramaturgia nordestina.
A entrevista acontecerá no programa Nomes do Nordeste, dentro da programação do II Festival BNB das Artes Cênicas.
OBRAS PUBLICADAS DE LOURDES RAMALHO
Dramaturgia
1. Teatro popular: três textos. (A eleição, Guiomar – sem rir sem chorar, Frei Molambo – ora pro nobis). [Campina Grande]: [s.n.], [1980].
2. Os mal-amados. In: CORRÊA NETO, Alarico et. al. Teatro paraibano, hoje. João Pessoa: A União, 1980, p. 81-150.
3. Teatro nordestino: cinco textos para montar ou simplesmente ler (A feira, As velhas, Festa do Rosário, O psicanalista, Fogo-fátuo). [Campina Grande]: RG, [c.1981].
4. O trovador encantado. [Campina Grande]: RG, 1999.
5. O novo Prometeu e Presépio mambembe: dois textos teatrais. Campina Grande: RG, 2001.
6. Charivari: texto teatral em cordel. Campina Grande: RG, 2002.
7. Teatro infantil: coletânea de textos infanto-juvenis. Campina Grande: RG, 2004.
8. Teatro de Lourdes Ramalho: 2 textos para ler e/ou montar. Edição comemorativa do 30º. Aniversário (1975-2005) de As Velhas + O Trovador Encantado. Organização,
apresentação, notas e estudos: Valéria Andrade e Diógenes Maciel. Campina Grande / João Pessoa: Bagagem / Idéia, 2005.
Poesia
1. Flor de cactus. Campina Grande: Ed. Universitária/FURNE, 1972.
2. O menino e a gota (e outros poemas). Ilustrações João Neto. Campina Grande: Bagagem, 2007.
Genealogia
1. Raízes ibéricas, mouras e judaicas do Nordeste. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2002.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
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